quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A Casa - MAria Helena

O testamento veio como a maior surpresa de sua vida. Herdara a casa que fora de sua bisavó numa pequena ilha na costa da Italia. Iniciou os preparos para a viagem cheia de inquietações que brotaram nela como ervas daninhas. Não sabia lidar com surpresas. Com cuidado, guardou na mala a chave enferrujada da casa.
O mar de um azul profundo circundava a ilha. A casa projetava-se imponente sobre o monte. Parecia um palacete mas por aquelas bandas não era incomum que uma família pouco abastada morasse num lugar como aquele. Algumas daquelas casas foram erguidas pelos monges da região que, no início do século, abandonaram a ilha, ninguém sabe o porquê. Foi então que os moradores compraram os antigos mosteiros e os transformaram em lares.
Sentou-se na praça e teve a impressão que os moradores da pequena vila a olhavam com desconfiança. Ou seria simples curiosidade? Não saberia dizer.
Signora, signora- grita o menino. Quer saber histórias da região? Eu lhe conto por uns trocados. A casa foi comprada dos padres por um tal de D. Giovanni. Era um homem alto, que caminhava com passos largos e olhos sombrios. A farta cabeleira negra que circundava o rosto queimado do sol estava sempre desalinhada. Era um homem duro e acabou detestado na região. Dizem que sua mulher suicidou-se. Depois veio sua nora substituir a falecida, mas adoeceu e morreu, deixando uma menina que foi viver com os tios em outra aldeia. Nunca mais una donna veio para esta casa rosnava D. Giovanni com um certo orgulho pois dizia-se que detestava as mulheres.
Sem mulheres, sem partos e choros uma casa não é um lar. Assim envolta em seus pensamentos ela subiu o monte. Um vento frio arrepiou sua pele. Ela também não tivera filhos. Apos décadas de abandono a casa voltaria a ser ocupada. Como uma mulher sozinha tomaria a iniciativa de ir viver ali?
Abriu a porta. O mofo cobria as paredes rasgadas pelo tempo mas havia dignidade naquele amplo espaço. Ela subiu a escadaria que levava aos quartos. Encontrou seu próprio olhar no espelho intacto da penteadeira que parecia esperar por ela: uma mulher íntegra, madura, quase bela. Jogou os cabelos para trás e se lembrou de D. Giovanni. Sua maldição ficara no passado. Se é que alguma vez existira.

Maria Helena Mossé
setembro de 2009

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