quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Espuma

A decisão de se matar tinha sido tomada com cuidado e critério. Não foi de uma hora para outra. A idéia surgiu numa noite de insônia e amadureceu durante vários dias sobrevividos à base de sorrisos falsos. O que Malvina demorou foi para escolher como se despediria desta vida sem graça e injusta. Tiro, pular de uma ponte, gás? Ela conversou com um amigo médico, viu séries policiais, procurou na internet. Não queria dor nem violência. E, como era vaidosa, mesmo na tristeza, desejava que a encontrassem inteira e lamentassem o seu triste fim. “Por que uma mulher tão bonita decide dar adeus à própria vida?”, diria o rapaz da perícia, imaginava Malvina.
Ela optou por cortar os pulsos na banheira de sua suíte. Cheia de espuma. Era sábado à noite. A filha mais velha iria para a casa do pai e, assim, ela teria a privacidade necessária para se despedir de sua casa, de suas memórias e lentamente morrer.
Porque hoje é sábado, é dia de Malvina morrer. Ela passeia pelos quartos, toca as fotos emolduradas, chora na despedida mas já não há mais tristeza nas lágrimas. Beija demoradamente o retrato do Danielzinho e murmura que, em breve, eles estarão juntos. Danielzinho era mesmo a cara do pai. Mesmo na contagem regressiva, ela tinha saudades do ex-marido e, por um segundo, se esqueceu da mágoa. Mas só por um segundo mesmo. Imaginar Daniel com a melhor amiga dela, quer dizer, ex-melhor amiga, fez com que o rancor lhe avermelhasse o rosto. A dor veio com tanta força que a levou direto ao banheiro. Era chegada a hora.
A espuma borbulhava na banheira como se tivesse vida própria. As horas esperando a morte seriam preenchidas repensando a vida, se despedindo das lembranças e acompanhando o fim das bolhas da espuma. “Vejo poesia na minha morte. Pena que não a encontrei em vida.”, lamenta-se Malvina.
Malvina deixa o roupão cair no chão com o glamour natural das divas. Entra sensualmente na banheira e, com a faca dentada do pão, corta verticalmente os dois pulsos. Assim é infalível, explicou o amigo médico.
“Quantas horas terei de vida agora?” – diz Malvina, em voz alta, encantada com a própria voz amplificada na acústica do banheiro.


Laís

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