quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ruína dos domingos (reescrito) - Vinho - Ar

Um convite informal, venha aqui em casa, para mim foi solene. Estaciono o carro diante do muro. Abro  o portão com seu peso diminuindo meus passos. Quinas se sacrificam ao sol para amparar sombras em jardins escondidos. As manhãs escorrem moles como mingau. Diante da porta, vejo através da janela, a cortina. O que está por trás que não posso suportar?  Dias longos e noites incertas. Um lugar para alguém de joelhos ralados contar estrelas. Entro sem espanto, como se voltasse de um passeio. Quem me recebe tem cabelos longos demais, sinal que não se importa com o que os outros pensem. Mesmo assim me mostra seus trabalhos. Subo as escadas, minhas mãos se apoiando nos veios da madeira. Ancestrais me olham das telas, revigorados, vestidos em impecáveis toalhas de linho.Cenas sobrepostas onde passeiam com suas peles marcadas, mil linhas bordadas de sua próprias histórias. Entre duas dimensões existe um universo. Rasgado, colado, pintado. Segredos que querem se contar. Fico tão pequena que me é familiar, rodapés, botões e moedas. Me escondo embaixo da mesa, sentindo o cheiro da manteiga derretendo no pão e vendo a grade da varanda. Passos ecoam no assoalho. Sou tudo o queria ser, menos adulta. Estou entre as conversas proibidas. Bebês não nascidos, namorados no portão, mortes prematuras, amores incestuosos, lares abandonados, passeios ao luar. Mas ninguém sabia que no verão passado eu tinha escondido as conchas do meu irmão, que por isso colecionava chaveiros. Uma voz conhecida, me chama  e mais uma vez sou convidada, então para almoçar, almoço de domingo.





Vinho.


Uma palavra, um gesto, um olhar. Um tapa, um tiro, um estranhamento. O motivo não saberia. E ele que era como todos, se tornou como outros. O tempo infinito se condensou no momento presente. O olfato se ficou aguçado e os musculos tensos. A fome se estabeleceu como dor. No espelho se viu, era um espaço vazio. Assustada a memória fugiu. Sózinho e ausente de pensamentos, em um canto qualquer esperava. As paredes suavam. Rastejou, no ouvido, as batidas do seu coração marcavam seus passos. Era guiado pelo doce cheiro de sangue. Final de corredor. Ao chão indefeso, amarrado, amordaçado, estava quem o roubou de si. Com a pedra mais próxima, o golpeou. A cada golpe sentia também a dor. Esperava beber a taça que o ódio como espectador lhe oferecia. Agonizando ao lado de sua vítima viu que a taça estava vazia.





Ar

Tudo se passava agora. O ar se tornou um fato, era anunciado nos jornais. O ar que lhe faltava, estava nas letras, nos peitos de todos, por aí. E ele que tanto cuidou para que seu ar não fosse embora, o via sair pela janela, sustentar asas, planos, tirar chapéus das cabeças, ter uma vida que ele mesmo não tinha se permitido. Quem ele pensava que era? Raiva nada adiantava, já tentara lhe golpear, lhe chamar dos piores nomes, mas  cada vez mais ele se ausentava. Estava alheio, rarefeito. Agora sua vingança era lhe desejar mal, , que virasse chuva e se escoasse nos esgotos, que se contaminasse com dióxido e outros óxidos mais. Ah, quando ele quisesse ser puro, teria que lhe procurar, para subirem a serra juntos, até o sitio de sua tia. Mas ele não queria mais, mesmo sabendo que com sua ausência não poderia viver. A liberdade era imperdoável.



Patricia

Um comentário:

  1. PRO:
    Um dos meus preferidos. Reli algumas vezes, achei forte e me passou emoções, ousado e profano, duas coisas que me agradam.

    COM:
    Tem coração porem as duas estórias poderiam ser uma so, uma vez que usam a mesma estrutura e narrativa, apensar de passar uma emoção, não tem nenhum estória sendo contada.

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